Sete em cada dez empregos destruídos no último ano eram contratos a prazo. Num mercado profundamente segmentado como o português - em que os trabalhadores fora do quadro têm regimes muito flexíveis - este tem sido o grupo mais afetado pela explosão do desemprego, para 15,2%. No entanto, as empresas começam a esgotar a margem de flexibilidade através do despedimento destes precários - e a troika já notou. O discurso da flexibilidade laboral foi substituído, pela Comissão Europeia e FMI, por "rigidez salarial" e ordenados demasiado "altos". Quem está no quadro também terá de contribuir para o ajustamento.
"O mercado de trabalho está mais rígido do que há um ano", aponta Cristina Casalinho, economista-chefe do BPI. "As empresas estão a dispensar os trabalhadores com vínculo precário, mas essa solução está a esgotar-se. Sobram só os vínculos mais rígidos, em que é difícil mexer." Desde o primeiro trimestre de 2011, o número de trabalhadores com contrato sem termo caiu 1,4%, o de contratados a prazo afundou 14,9%. Entre 2009 e 2011, só um em cada dez desempregados contratados entrou para os quadros. Entre os contratados a prazo em 2002, apenas 22,9% entraram para o quadro. "Se o mercado não fosse flexível não tínhamos este aumento de desemprego. A troika vira-se agora para a flexibilidade salarial", diz Casalinho.
A Troika e o governo já tinham admitido não conseguir explicar a subida do desemprego, mas há duas semanas que as referências a salários se adensam. Numa reunião com deputados portugueses, os chefes de missão da troika ligaram o aumento do desemprego ao facto de os salários serem demasiado "altos" e "rígidos". Na quarta avaliação, pede-se medidas "urgentes" que "deem às empresas flexibilidade na convergência entre custos laborais e produtividade". A ideia é que um nível salarial mais baixo possa incentivar a criação de emprego.
Vítor Gaspar garante que a visão do governo para Portugal envolve "bons empregos com salários altos". Porém, no curto prazo, a economia tem de ganhar competitividade, baixando os custos unitários de trabalho. Despedimentos e cortes salariais são a "consequência indesejável mas inevitável".
"A descida de salários de quem já está no mercado de trabalho não faz sentido. O mais importante é melhorar a produção e não descer salários. A produtividade está a aumentar graças à destruição de emprego", diz António Bagão Félix, antigo ministro das Finanças e do Trabalho. "Por mais que baixemos salários, nunca competiremos com a China, por exemplo."
Contratação coletiva
Em entrevista ao Económico, o líder da missão da troika abriu a porta acerca do que está a ser preparado, referindo a revisão de "mecanismos quase automáticos de extensão" que levam "os salários a aumentar em empresas sem condições para tal". Abebe Selassie está a falar da publicação de portarias de extensão que alargam a aplicação dos acordos coletivos ao sector.
Bagão Félix concorda com a revisão do modelo de publicação de portarias de extensão. "Quanto menos portarias de extensão melhor. É uma limitação grande. Não deve haver cláusulas de aumento salarial indexadas à inflação." Já José Silva Peneda, antigo ministro do Emprego e da Segurança Social do governo de Cavaco Silva, receia este tipo de mexidas. "Limitar a publicação de portarias de extensão é acabar com os acordos coletivos. É um modelo possível, mas constitui uma autêntica desregulação do mercado de trabalho."
Mesmo sem mais medidas - Passos já rejeitou cortes nominais nos ordenados -, regras mais apertadas de prestações sociais, subida do desemprego, cortes nos salários da função pública e limitações nas contratações do Estado, bem como recomendações do governo de "moderação salarial" já pressionam as remunerações.
Manuel Carvalho da Silva, ex-secretário-geral da CGTP, lembra que a quebra salarial "já está em movimento há muito tempo". "Mexer na contratação coletiva é tocar no mecanismo mais eficaz na distribuição de rendimento e alterar o equilíbrio de forças [trabalhadores vs. empresas]. Começaram pelos mais frágeis. Agora, é indiscutível que quem está no quadro verá a sua situação agravar-se."
Objetivo: produtividade
O governo e a troika acreditam que, nas últimas duas décadas, os salários dos portugueses cresceram mais do que a produtividade, o que prejudica a competitividade das empresas portuguesas e a sua capacidade de exportar. Silva Peneda, também presidente do Conselho Económico e Social, diz que não entende essa lógica. "As empresas não serão mais competitivas pela legislação laboral." O ex-ministro das Finanças Luís Campos e Cunha lembra que, "para uma empresa, os salários são só parte dos custos laborais - os não salariais, que são muito significativos, têm caído acentuadamente com as reformas da lei laboral".
Num estudo de 2011, Miguel Lebre de Freitas, professor de Economia da Universidade de Aveiro, diz que, entre 1995 e 2005, só a agricultura e a construção tiveram aumentos salariais superiores à produtividade. Na indústria e serviços - fatia de leão da produção de riqueza em Portugal - os dois indicadores evoluíram lado a lado.
Alguns economistas têm defendido que a divergência entre os países da periferia da zona euro e economias como a alemã está mais relacionada com uma forte contenção salarial na Alemanha do que com exageros dos países do Sul. "Para o equilíbrio europeu, era melhor a Alemanha subir salários do que nós cortarmos", afirma Bagão Félix. Para o economista, o esforço para aumentar a produtividade deve passar por "alterações da legislação laboral já aprovadas pelo governo, aposta na inovação e formação e maior capacidade de gestão das empresas - que é ainda muito familiar".
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