Portugal, junho de 2016. Este mês não recebe subsídio de férias porque este começou a ser-lhe pago, em janeiro, em suaves prestações mensais - tal como o subsídio de Natal. O cenário não passa, para já, disso mesmo, mas a probabilidade de se tornar real aumentou com as últimas declarações de Passos Coelho sobre os subsídios. A maioria das empresas agradecerá certamente a diluição do esforço financeiro e o Estado terá aqui uma forma de arrecadar mais IRS. Mas para as famílias a mudança implicará uma total reorganização das despesas domésticas.
Seguros, impostos, condomínio, férias, poupança e, sim, consumo puro, principalmente por alturas do Natal. Quem estuda os hábitos das famílias sabe que é neste cabaz de opções e de despesas que se esvai a almofada financeira que a maioria dos portugueses que trabalha recebe no final de junho e de novembro. Mas se, como começa a ser equacionado, os subsídios de férias e de Natal deixarem de ser pagos autonomamente e passarem a ser integrados (total ou parcialmente) nos 12 meses de salários, o choque financeiro será substancial, antecipa o sociólogo comportamental Albertino Gonçalves. E o comércio e o turismo sofrerão um forte revés, adverte o secretário-geral da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal.
Os anos de experiência de Natália Nunes, da Deco, a ouvir famílias a falar dos seus orçamentos levam-na a dizer sem hesitações que, num cenário de 12 salários (ainda que mais altos), muitos perderão o fio à meada e se esquecerão de pôr de lado uma quantia mensal que lhes sirva para pagar as despesas que surgem uma ou duas vezes por ano - como o IMI. Do lado da banca, fonte do setor admite que os reforços de poupança que atualmente se observam em junho e no final do ano poderão diminuir, embora acredite que as pessoas se adaptarão às novas regras.
Albertino Gonçalves, da Universidade do Minho, considera que os subsídios são uma "poupança forçada" que ainda assim está ajustada ao "ritmo de vida dos portugueses", que tem "picos" em julho e agosto e em dezembro (por causa das férias e das festas). E ainda que admita que as pessoas tendem a sobreavaliar a capacidade financeira dos subsídios - o que explica que "à fartura de dezembro se siga a miséria de janeiro" - o sociólogo critica a ideia de se querer transpor para Portugal uma prática ajustada à mentalidade dos países do Norte da Europa.
O hábito de pagar 14º meses de salário é comum nos países do Sul, mas genericamente desprezado no Norte. Na Alemanha há setores que pagam estes subsídios, mas, como observa Petra Meier, a generalidade dos alemães habitua-se desde cedo a calcular as suas despesas em função do rendimento anual e não do mês em que vai aparecer.
Apesar de viver há mais de uma década em Portugal e, como qualquer trabalhador português, receber 14 salários por ano, Petra mantém a lógica germânica de olhar para o ordenado. "Não uso esse dinheiro para pagar o seguro do carro, porque todos os meses poupo um pouco para isso."
É precisamente este tipo de raciocínio a que os portugueses terão de se habituar, se os subsídios de férias e de Natal vierem a ser incorporados no salário mensal. Na semana passada, quando tentava pôr um ponto de ordem na onda de choque que saiu de Bruxelas a propósito da duração do corte de 13.o e 14.o meses da função pública e pensionistas, Passos admitiu "a possibilidade" de redistribuir os subsídios pelos 12 meses de salário, sinalizando que a solução poderá estender-se ao setor privado.
Resta saber se esta redistribuição implicará ou permitirá uma redução face ao valor dos subsídios que agora são pagos. Na função pública e no sistema de pensões, o primeiro-ministro já disse que a reposição será gradual, o que significa que em 2015 (e não em 2014, como por "lapso" Vítor Gaspar tinha deixado subentender) apenas uma percentagem destas remunerações será paga. Depois se verá como evolui o ritmo.
No meio de todas as dúvidas, há uma certeza: a incorporação dos subsídios no ordenado vai aumentar a taxa de retenção na fonte do IRS. Porquê? Porque as regras deste imposto estipulam que o salário e o subsídio sejam tributados de forma autónoma. Se deixar de haver lugar a um pagamento autónomo, a retenção na fonte também deixará de sê-lo. Uma pessoa que recebe 2500 euros por mês, 14 vezes por ano, paga de 8400 euros por ano de IRS. Se passar a receber 2916 euros 12 vezes por ano, o imposto sobe para 8748 euros. O Estado agradece o bónus.
Do lado do comércio, uma medida como esta provoca um misto de reações. Certamente que aquela redistribuição alivia o esforço de tesouraria das empresas que, no modelo atual, se veem confrontadas com o pagamento de um ordenado duplo duas vezes por ano. Mas o presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), João Vieira Lopes, sabe que há sérios riscos de o consumo relacionado com os períodos de férias e Natal virem por aí abaixo. "Havendo uma mudança destas, nos primeiros anos, vamos observar quebras de consumo", diz o responsável da CCP, adiantando que um período de crise como o atual "não é o momento ideal para fazer experiências destas".
O turismo, a restauração, roupa e sapatos vão ser os primeiros a sofrer o impacto do eventual fim dos subsídios tal como os conhecemos, mas não serão os únicos. No Natal, quando se solta a veia mais consumista, irão verificar-se quebras. Basta pensar que 30% a 50% das vendas das maiores empresas de produtos eletrónicos ocorre no final do ano.
Crítico do sistema de 14 meses, Luís Bento, especialista em questões laborais, vê vantagens na mudança: alívio da tesouraria das empresas e maturidade das pessoas. Mas admite a adaptação difícil, que obriga a mudanças de comportamento.
fonte:http://www.dinheirovivo.pt/