A contenção salarial é a melhor perspetiva que os portugueses poderão ter no médio prazo. Os exemplos demonstram-no. A EDP, com lucros acima dos mil milhões em 2012, chegou a propor aos seus trabalhadores um aumento salarial de 0,3% em 2013, subindo depois para 1%. A Portugal Telecom, outra empresa de dimensão internacional, congelou os salários em 2012 e 2013. Só mesmo os duodécimos vão disfarçar, para alguns, uma perda real no salário líquido. A Comissão Europeia estima que as remunerações (salário em dinheiro e outras formas de compensação) tenham caído 2,9% em Portugal no ano transato, avançando 1,5% em 2013. No entanto, os especialistas e representantes de vários sectores contactados pelo Dinheiro Vivo traçam um cenário mais pessimista para este ano.
Segundo o Banco de Portugal, o rendimento disponível das famílias - montante líquido após impostos e eventual recebimento de prestações sociais - caiu um total de 12,1 pontos percentuais entre 2011 e 2013, já contando com a previsão para este ano. Estar empregado pode ser uma mais-valia em 2013, mas a progressão remuneratória vai restringir-se a nichos profissionais.
"Se há profissão que, na crise, tem condições para se defender é a de engenheiro porque tem armas e competências suficientes para ir para o estrangeiro", afirma Carlos Matias Ramos, bastonário da Ordem dos Engenheiros. Segundo um estudo do PageGroup, as empresas portuguesas recrutaram, em 2012, mais engenheiros para projetos de curta duração, optando muitas vezes por contratos a termo certo. No entanto, quando o contrato é permanente, a perda é notória. Diz o estudo que um diretor de operações pode receber até 5000 euros brutos por mês. Um engenheiro de processos e métodos ou de qualidade pode apenas auferir até 2000 mil euros. "É claro que ninguém quer sair do seu país, mas não havendo possibilidades cá, têm condições para exercer a profissão com qualidade e, por isso, estão a ser muito chamados para fora", sublinha Matias Ramos. "Em 2012, havia 300 a 400 cursos com nome de engenharia, mas quando entrei eram 600. O mercado vai ajudar à criação de emprego, mas é preciso estabelecer uma estratégia porque o mercado só usa o que lá se põe". Segundo a agência de recrutamento Hays, um engenheiro projetista em início de carreira na construção ganhava 914 euros em 2008 e agora fica-se pelos 839 euros.
"Os advogados ressentem-se da crise económica, porque é verdade que há mais casos, mais complexos e mais demorados, mas os clientes estão empobrecidos para conseguirem pagar os honorários", explica Rogério Alves, advogado e ex-bastonário da Ordem. "Acredito que a carga fiscal será menor [dentro de dois ou três anos] e não a atual absolutamente absurda, o que permitirá às pessoas pagarem o que é justo pelo trabalho dos advogados", acrescenta. "Os nossos salários têm estado congelados desde 2005, e depois em 2011 sofreram uma redução que seria entre 3,5% e 10%, que no nosso caso eram para quase todos de 10%. As outras componentes, como o subsídio de insularidade e de compensação, sofreram uma redução de 20%", lamenta Rui Cardoso, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, logo acrescentando a perda do subsídio de Natal e férias, em 2012, que afetou toda a função pública.
Os médicos dizem que estão todos a ganhar menos do que ganhavam há alguns anos. A Hays refere o exemplo do clínico geral em início de carreira que ganhava 2197,87 euros há cinco anos e que agora reduziu para 2013,79 euros. "Não faz sentido dizer que um médico ganha bem. Há gente que leva para casa 1800 euros ao fim de muitos anos de trabalho, e a fazer 35 horas por semana e 12 de urgência", explica Merlinde Madureira, presidente do Sindicato dos Médicos do Norte. O governo negociou com os sindicatos um acordo para os médicos que vão entrar na carreira. Estes passarão a receber 2700 euros brutos, cumprem 40 horas semanais e 18 horas de urgência - e não as 12 que eram a norma. Do lado dos enfermeiros, o desapontamento é geral. "Não tem havido qualquer evolução. Isto significa que os enfermeiros têm as progressões nas carreiras congeladas desde 2005 e as promoções desde 2011. Houve uma negociação para a evolução da carreira, e ficou determinado que o salário em início de carreira deveria ser de 1200 euros", afirma Guadalupe Simões, presidente dos Sindicatos dos Enfermeiros Portugueses. Mas o congelamento de progressões irá criar uma injustiça relativa: um enfermeiro com 27 anos de serviço ganhará somente mais 200 euros do que um colega em início de carreira.
No caso da banca, o acordo coletivo de trabalho (ACT) foi denunciado pelos patrões. O líder do Sindicato dos Bancários do Norte, Mário Mourão, lembra que, quando a banca começou a não atualizar as tabelas salariais - um funcionário pode ganhar desde 736,78 euros, no início de carreira, até aos 2723 euros, segundo a tabela geral do ACT -, os sindicatos "mostraram-se compreensivos e aceitaram, desde que o volume de emprego fosse mantido, o que não se verificou". O BCP, o BPN, o Barclays e o Montepio, entre outros, avançaram com despedimentos e rescisões. Mário Mourão considera que, assim sendo, "é tempo de a banca se sentar à mesa e negociar", até porque têm "registado elevados lucros". No BCP, o salário mais alto é de 5255 euros e na CGD é de 4012 euros, embora neste último caso os funcionários tenham sofrido os cortes da função pública, que chegaram aos 15%.
Na construção civil, um operário qualificado ganha, no máximo, 545 euros mensais. Mas, em tempos de prosperidade do sector, estes trabalhadores "levavam para casa outro tanto, ou mais, em horas extraordinárias", o que hoje não acontece, afirma Albano Ribeiro, presidente do Sindicato da Construção de Portugal. Garante mesmo que "já há empresas a impor reduções salariais" de modo a evitarem despedimentos. Segundo o sindicato, não falta quem esteja a pagar apenas o salário mínimo nacional (485 euros), o que considera inexplicável. "É um trabalho duro, feito ao frio e à chuva, não há razão nenhuma para que não lhes pagassem, no mínimo, 750 euros ao mês". No entanto, Reis Campos, presidente da Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário, recusa que a redução de salários seja uma tendência no sector. Segundo a Hays, um diretor de obra ganhava nos primeiros anos de carreira 1399 euros em 2008, passando a 1198 euros em 2012.
Segundo a Egor, uma das empresas de recrutamento mais antigas a trabalhar no mercado português, há uma baixa das remunerações que ronda os 30% entre 2008 e 2012. "Um profissional que há oito anos era contratado por 3 mil euros hoje será por 2 mil. E nem estou a falar de impostos", afirma Amândio da Fonseca, diretor da Egor. O mercado parece estar a beneficiar a contratação de desempregados, uma vez que as empresas podem pagar salários mais baixos a esses candidatos. "Mesmo em multinacionais de produtos de grande consumo (caso da Colgate ou Panrico, entre outras), um estagiário recém-licenciado ganha à volta de 1000 euros", diz Nuno Troni, manager para área Comercial e Marketing da empresa de recrutamento Michael Page. Segundo a sua experiência, licenciados em Economia, Gestão ou até Engenharia pela Universidade Nova, ISEG, Católica ou Universidade Técnica têm alto grau de empregabilidade. E profissões ligadas à exportação e tecnologias de informação conseguem melhores ordenados. "Há um aumento óbvio de saídas para Angola, Moçambique e Brasil especialmente. E isso tem sido o que tem sustentado as agências de recrutamento, porque cá o mercado está mesmo parado. As empresas não estão a contratar e quando o fazem, o salário é o critério", explica Amândio da Fonseca, da Egor.
fonte.http://www.dinheirovivo.pt/